Heidegger afirma que o homem é um ser para morte, sendo a morte a única certeza que se tem desta vida, e esta deve ser compreendida como a forma que cada um se relaciona com o mundo (Kovács, 1992).
Maranhão (1996), afirma que refletir sobre a morte é refletir sobre a vida e que para o homem apreciar realmente a vida é necessário que ele se conscientize da sua finitude e de sua vulnerabilidade diante dela. Ele acrescenta que ao tomarmos consciência de nossa terminalidade iremos naturalmente refletir sobre os valores empregados à vida. “Se estabelecermos contato com a idéia de nossa própria finitude dificilmente deixaremos de viver um processo de resignificar a vida e aí transformarmos nossa relação com o viver, dando geralmente, uma nova qualidade a esse ato.” (Bromberg, 1996, p.39).
Heidegger compreende que a partir do momento que se tem consciência da morte, esse fato traz uma maior reflexão sobre a vida, e isso não quer dizer que não exista dor, medo ou sofrimento. A morte é a maior expressão da finitude humana (Oslon, 1970).
Heidegger (2005), compreende que a morte, o morrer é uma experiência solitária, afirmando que a morte é uma possibilidade ontológica, singular. Heidegger compreende que ninguém pode morrer no lugar do outro. A morte na medida em que é morte, é exclusivamente minha. E, mesmo que fosse possível experimentar a morte do outro, não seria isso jamais penetrar na minha própria morte (Jolivet, 1975). E, então, será que há como apreendermos a essência do fenômeno da morte?
Maranhão (1996) afirma sobre o pensamento de Heidegger que a morte é constitutiva do ser humano, que o homem é um ser-para-a-morte, e paradoxalmente, assim que nascemos começamos a morrer.
Enquanto que para Heidegger a consciência da morte faz com que o homem repense sua própria existência e a sua forma se estar no mundo, Sartre acredita que a morte retira do homem todo o sentido da vida (Angerami, 2005), portanto, Sartre não percebe a morte como parte integrante da vida, como algo que valoriza a forma de viver. Para ele, com a morte extingue-se qualquer possibilidade (Maranhão,1996).
Jolivet (1975), concebe que Sartre mostra-se totalmente contrário à questão definida por Heidegger que o homem é um ser-para-morte, sendo a morte pertencente à condição humana, quando propõe que a morte não está nem pode estar dentro das possibilidades de existência.
Não podemos pensar a morte se não refletirmos também sobre a angústia, sendo a angústia diferente do medo. O medo aparece diante de algo determinado, identificado, existe um objeto. Já para existir a angústia não precisa haver algo, a angústia se instala diante do nada (Angerami,1950). Sartre afirma que a angústia seria então a angústia do nada, a angústia da própria morte (Maranhão, 1996).
Refletindo um pouco mais sobre a angústia, Nunes (1991), nos traz um conceito Kierkegaardiano, a consciência infeliz, quando se compreende que o homem é desejo, é inquietude e sofrimento e, além disso, é paradoxal, sendo a consciência infeliz equivalente a consciência de si mesmo, que remete ao contraditório. A esse respeito o autor ressalta:
Desejaríamos extinguir as contradições anteriores, mas como tais contradições são próprias da consciência, desejar um Eu sem conflitos, estável e substancial, é o mesmo que querer outro Eu. Desse modo, o desespero é sempre a manifesta intenção de radical mudança do ser que se é (p. 43).
Juntamente com a idéia do desespero, Kierkegaard traz outro elemento como fazendo parte da existência humana, a angústia, que ele percebe como um aspecto central da vida religiosa, que se origina por decorrência do pecado. A angústia revela ao homem a existência da própria liberdade (Nunes, 1991).
De acordo com o pensamento de Kierkegaard, o homem se encontra em desespero se ele está em desencontro com Deus, pois dessa forma ele está afastado de sua própria personalidade. Para ele, o Eu humano está nos extremos, no paradoxal e na integração, está no finito e no infinito do possível e do real. Não estando em desespero, integra-se a finitude à infinitude. Ele acredita que o desespero é o lado oposto da fé.
É perceptível no mundo de hoje, como o homem foge da angústia, desse nada existencial que Sartre nos apresenta. Vemos isso no corre-corre do dia-a-dia, na busca desenfreada do “ter” em detrimento do “ser”, que a sociedade de consumo tanto prega, impedindo que as pessoas sejam mais autênticas, quando os meios de comunicação empurram valores, desejos e necessidades como se fossem realmente suas, havendo um distanciamento de reflexões sobre a perda, sobre o findar-se.
Em relação à fuga diante da morte, Jolivet (1975), traz que o Dasein não reconhece o seu ser como sendo propriamente para-a-morte, existe sim, como um poder-ser, que juntamente com toda a riqueza de possibilidades exige responsabilidade pelas escolhas realizadas. Toda escolha é geradora de angústia, pois, escolhe-se algo em detrimento de outro, ou seja, a liberdade de escolha não é absoluta, sendo a responsabilidade companheira fiel das escolhas.
Critelli (1996), aponta para a questão da inospitalidade do mundo, para o fato de que a todo momento estamos nos deslocando, mudando de lugar. O mundo não nos garante estabilidade, viver é transitório. “Esta experiência da inospitalidade do mundo, do nada em que de desfez ou ocultou o sentido que ser fazia para nós, e da mais plena liberdade em que somos lançados independentemente de nosso próprio arbítrio, Heidegger o nomeia angústia” (p.18).
E ainda sobre a fluidez do existir, Critelli (1996, p.19), compreende que:
A experiência humana da vida é, originalmente, a experiência da fluidez constante, da mutabilidade, da inospitalidade do mundo, da liberdade; a segurança não está em parte alguma. E isto não é uma deficiência do existir como homens, mas sua condição, quase como sua natureza.
As questões existenciais tais como a inospitalidade, a transitoriedade da vida, a não fixidez, a angústia, estão totalmente envolvidas com o processo da morte sendo esse processo vivenciado por toda a vida, pois para andarmos, para caminharmos na vida é necessário que nos lancemos, que nos arrisquemos, que façamos escolhas e, conseqüentemente, faz-se necessário que entremos em contato com a precariedade do existir, que nós permitamos nos desequilibrar, e nos abramos para o inédito, para o inesperado, características da senhora morte e da própria vida. (notas de aula).
Assim sendo é importante que naturalizemos mais e mais o tema da morte e todas as questões que lhes são inerentes, que possamos trazê-la para dentro de nossas casas, para dentro de nossas famílias, para dentro de nossas vidas e talvez assim possamos estar mais preparados para essa possibilidade, seja no lugar de família como no lugar da pessoa que estar á morte.
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas como mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo muda o tempo todo no mundo
(Lulu Santos).
Tornou-se ainda mais claro como a morte, o morrer está presente por todo o momento de nossa existência e o quanto na nossa sociedade este é um assunto interditado, não dito, inaudível, como se as pessoas resistissem a tocar, olhar e ouvir a dor, o sofrimento, a angústia, as mudanças, as outras possibilidades que a vida com a morte nos apresenta, enfim, resistem à morte e todas as questões que estão implicadas nesse processo da vida, no qual essa frase também pode ser dita sem lhe tirar qualquer compreensão: nesse processo de morte.
Lecy Medeiros
Me chamo Thiago e agradeço por esta reunião de diferentes fontes. Lamento também quanto a "marginalização" da morte, entretanto você deixa claro que a nossa beleza de ser humano, está em observar, questionar, criar e apreciar as mais diferentes coisas... até mesmo na morte.
ResponderExcluirFico satisfeito por ter partilhado dessa visão pela perspectiva da fenomenologia, grato.